LAS FILIGRANAS DE PERDER
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julio 13, 2008

O estranho animal - Colaboración desde Brasil


O ESTRANHO ANIMAL
Ronaldo Monte

Se não podemos imaginar a figura do andrógino, vamos nos contentar com a visão mais próxima deste ser originário: um casal de namorados. Mas vamos observá-los de longe, pois os namorados são seres arredios e logo disfarçam sua verdadeira natureza a qualquer tentativa de desvendamento de seus mistérios.

Vamos vê-los, portanto, ao longe e na penumbra de uma rua propiciamente mal iluminada. Ali não vão dois, mas apenas um animal. Ele às vezes parece ter duas cabeças, mas de repente elas se juntam tanto que se transformam em uma. Seu tronco é largo, mas a altura dos ombros é menor em um dos lados. Tem apenas dois braços e suas quatro pernas caminham num sincronismo de centopéia.

Em uma parte mais escura da rua, magicamente o corpo se divide em dois e vemos rapidamente o perfil de dois rostos que logo em seguida se fundem num só. Passado algum tempo, novamente dois corpos e logo novamente um corpo só. Sejamos discretos. Deixemos este ser estranho seguir seu caminho...

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septiembre 21, 2007

Marcela, A Morta Viva - Colaboración desde Brasil


MARCELA, A MORTA VIVA
Ronaldo Monte

Marcela já era bonita.Mas queria ser mais. Daí que vendeu o carro, tirou empréstimo, torrou o cartão de crédito e fez uma reforma geral. Fez lipo, fez peeling, mexeu no nariz, botou um tantinho de silicone, salpicou aqui e ali um pouco de botox e pronto: Marcela ficou belíssima. O resto era com seu personal training e o regime draconalfaciano.

Aí começou a acontecer uma coisa esquisita com Marcela. Passou a ter a impressão de que ninguém mais a via. Sua empregada servia o café da manhã com o olhar perdido para além das paredes da copa. Decidiu almoçar em self-service depois que os garçons do seu restaurante favorito começaram a passar por ela sem atendê-la. Os seguranças do condomínio abriam os portões sem ao menos olhar para dentro do seu carro. As amigas,embora a tratassem bem ao telefone, deixaram de convidá-la para as festas. E os homens, meu Deus. Os olhos dos homens, para quem tinha feito todo este sacrifício, atravessavam seu corpo como se ela fosse um fantasma.

Um fantasma, é isto. Acho que morri. Por isso as pessoas não me vêem, não me notam. É isto, morri e ainda não me dei conta. Já tinha lido alguma coisa assim numa revista esotérica.

Era uma hipótese viável, mas algumas evidências mostravam que ainda estava viva. Mesmo sem olhar para ela, a moça da butique ainda tinha paciência suficiente para tirar e repor nas araras todos os vestidos que ela pedisse. Seu dentista, mesmo com o olhar alheio, não deixava de roçar-se no seu braço direito enquanto a imobilizava na cadeira. A fatura do cartão de crédito era uma testemunha irrecusável de sua presença encarnada neste mundo.

Tinha que procurar ajuda, mas de quem? Estava devendo ao analista, não queria aumentar mais a conta. Claro que não era louca de entregar um prato feito destes a nenhuma amiga. Tinha que ser um homem. Um amigo de confiança que possuísse uma virtude rara entre os homens: a de entender uma mulher. André. Só podia ser André. Pela coleção de namoradas que exibe com modéstia, ele deve entender muito de mulher. Além de tudo é poeta de poesia sutil, de quem cultiva uma certa alma feminina. Só pode ser André. Foi procurar André.

Escuta, Marcelinha, falou André, montado em sua estatura de poeta, o olhar lançado por cima da morta viva. Escuta, meu amor: você já deve ter ouvido falar de que certas pessoas, por conta das funções subalternas que exercem, se tornam invisíveis aos olhos das pessoas das classes sociais superiores às delas. Isto acontece com os faxineiros, os porteiros, os entregadores de pizza...

Mas eu não sou porteira, nem faxineira. E nunca entreguei pizza. Eu nem gosto de pizza. Irritou-se Marcela. E não me consta que divorciada seja uma profissão subalterna. Minha pensão não é de se jogar fora. Eu toda não sou de se jogar fora.

O problema é exatamente este, meu anjo, retomou André, ainda olhando para um certo ponto no horizonte. Você é bonita demais. E arrematou com o que Marcela não gostaria de ter ouvido: você não existe.

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A Menina de Noite - Colaboración desde Brasil


A MENINA DE NOITE
Ronaldo Monte

Para minha neta Gabriela

Ela era De Noite.

Assim como outras meninas
se chamam Da Guia, Da Luz, Da Penha,
ela se chamava De Noite.

Tinha outro nome,
mas se esquecia.

Era De Noite
o nome que gostava.

A noite
era a parte do dia que gostava.

Gostava da noite e suas estrelas.
Gostava da noite e seus silêncios.

Gostava da noite e seus escuros.
Gostava da noite e dos seus sonhos.

De noite gostava de cair no sono
como quem cai num colchão de nuvens,
como quem cai no colo da mãe.

Morta de sono,
De Noite fica parada no portão do sonho,
vendo seus pensamentos virar filme.

E daí assiste a tudo
sem ser vista.

E passeia sem ser notada
pelo meio das coisas que se movem.

Se equilibra sem medo
pela beira do abismo.

Pisa sem medo
o rabo do leão.

Bebe sem medo
as lavas do vulcão.

Brinca sem medo
com as chamas do dragão.

Mergulhada no sonho,
de Noite vasculha
o chão dos sonhos.

Cavalo marinho
estrela do mar
palavras de céu e terra
no mar dos sonhos.

Conchas, búzios, caracóis.
Palavras que se enroscam
pra De Noite desdobrar.

Água marinha.
Água de água na pedra.
Palavras de puro sonho.

Água-viva,
sinal de águas mortas.
Um sonho pelo avesso.

Na praia noturna,
De Noite vê em sua frente
a marca de seus pés.

Seguindo suas próprias pegadas,
a menina encontra sua cama
agora transformada em barca.

Ela embarca.

Barca e menina
levantam vôo
na noite de água e tempo.

E de dentro da noite
a menina ouve as sereias
e não sente medo.

E de dentro da noite
vem um tropel de centauro
atropelando o silêncio.

Um rosto de homem
e um dorso de cavalo
roçam a barca.

De Noite afaga
o rosto e o dorso
que voltam para o escuro da noite.

O silêncio se refaz
e a barca singra calma
a noite e o tempo.

Dorme a menina no leito da noite.
Cobre a menina um ar de cambraia.
A noite vela a menina.
Noitenina.
Meninoite.

De Noite dorme
sabendo que daqui a pouco
uma luz branda vem anunciar o dia.

É a aurora
Com sua cor de leite derramado,
com sua boca enorme
aberta para engolir a noite.

De Noite fica triste
dentro do seu sonho
porque sabe que logo logo
virá o dia.

E à luz do dia
acontecem coisas muito estranhas
que De Noite não consegue entender.

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septiembre 04, 2007

Visita - Colaboración desde Brasil


VISITA
Ronaldo Monte

Ela apenas sabia que era hoje. Não perguntem como ela sabia. Nenhum dado objetivo, nenhum aviso direto. Ela sabia. Uma certa languidez, um quase calafrio intermitente, uma leve nostalgia de paisagens vastas e indefinidas. Não queiram saber. Ela apenas sabia. Era hoje.

E como era hoje, ela tomou um longo banho morno, vestiu a longa camisola de seda branca, escovou os cabelos, molhou nuca e braços com água de colônia, fechou a porta do quarto com chave, vasculhou a rua oito andares abaixo, juntou as duas bandas de vidro da janela, deitou na cama de lençóis recém trocados, apagou a luz e dormiu.

Dormiu e sonhou com fogos de artifício, com cavalos correndo fogosos por prados, com círculos de dança ao redor de fogueira, com águas ardentes queimando docemente suas vísceras.

Acordou com a luz da manhã nascendo no seu rosto. O cabelo em desalinho, a camisola deslizada aos pés da cama, uma fadiga tênue nos músculos.

Ela sabia. Tinha sido há pouco. Um rumor de asas afastava-se da janela aberta.

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agosto 16, 2007

Carta - Colaboración desde Brasil


CARTA
Ronaldo Monte

Ele passava geléia de framboesa na torrada quando o silêncio da sala deu passagem a um leve raspar de papel sob a porta de entrada do apartamento. André levantou-se com preguiça e, antes de apanhar o envelope, abriu a porta com má vontade, somente para desencargo de consciência. Óbvio que, seja lá quem tivesse posto o envelope por baixo da porta, já tinha se escafedido escada abaixo. André abaixou-se resignado e emergiu com a cara intrigada. O envelope não tinha remetente. Pelo menos remetente declarado. Metódico que era, voltou para a cadeira, sorveu um bom gole de café com leite, limpou a faca no miolo de pão e serrilhou com certo gozo o vinco superior do envelope. Tirou sem pressa o papel lá de dentro, abriu fingindo indiferença para si mesmo. Mas logo o fingimento deu lugar ao espanto na cara de André: o papel estava em branco. Virou a página. Também em branco. Branco também ficou André.

Poeta que era, André estava acostumado à angústia da folha em branco. Aquela vastidão assustadora a exigir: rabisca-me ou te devoro. Mas aquela folha recém saída do envelope não fazia exigência nenhuma. Deixava apenas um vácuo impossível de preencher. Nada que André pudesse imaginar poderia ser confirmado por aquele vazio. Um irmão mais novo a quem tivesse humilhado. Qualquer uma das muitas namoradas que tivesse abandonado. Um paranóico ciumento de algum dos raros poemas bem sucedidos. Uma mulher trágica a quem não adivinhou o amor tresloucado. O dono da padaria a quem não pagava há mais ou menos um mês.

André esqueceu o café na mesa e foi para o quarto. Deitou-se na cama com a folha em branco em frente aos olhos. E quando todas as hipóteses de remetentes foram esgotadas, continuou com os olhos fixos no papel até esquecer-se do tempo e de si mesmo.
Quando arrombaram a porta do quarto, viram o corpo pálido de André confundindo-se com a brancura da folha em branco que pendia de sua mão.

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Um Copo D'água - Colaboración desde Brasil


UM COPO D'ÁGUA
Ronaldo Monte

O corpo do homem sentado em minha frente estava seco. Seus músculos finos colavam nos ossos e eram cobertos por uma pele fosca, quase acinzentada. A alma daquele homem também estava seca.

Sua fala desfilava automaticamente uma série de registros, blocos de traços de memória, comunicados sem qualquer emoção: a casa em que sempre morou, uma velha mansão que já experimentara seus momentos de fausto, agora repartida apenas entre ele e sua mãe. Essa mãe distante, refugiada em seu quarto, que ele apenas entrevia quando passava pela porta do cômodo em penumbra. Aqui e ali uma breve menção a um pai, já morto, homem de prestígio enquanto vivo.

O resto era um amontoado de cenas curtas, flashes de suas errâncias noturnas: sessões coletivas de picos; baladas em boates gays; transas apressadas em banheiros mal-cuidados, despertar em lugares desconhecidos em companhia de estranhos, ou amargamente só e depenado.

O corpo seco do homem sentado em minha frente me dizia que havia muito pouco a fazer. Um copo d’água, pensei. E se eu lhe der um copo d’água? Mas não fiquei certo de que o copo d’água era mais importante do que a minha presença. Tinha que sair da sala para buscar água e tive medo do que ele pudesse sentir com a minha ausência. Não lhe dei água.

Teria sido a última vez. Não voltou mais à minha sala. Semanas depois, soube que tinha desistido da vida. Até hoje ainda penso que um copo d’água o salvaria.

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agosto 05, 2007

Fonte - Colaboración desde Brasil


FONTE
Ronaldo Monte

Teus sonhos não são enigmas.
Olha-os com calma:
Eles são a fonte dos enigmas.
Tua fonte.

Não busques, portanto,
o sentido dos teus sonhos.

Dorme, apenas.

E deixa que desfilem
teu mistério
no chão do sono.

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Vistam Saias, Meninas: É Agosto - Colaboración desde Brasil


VISTAM SAIAS, MENINAS: É AGOSTO
Ronaldo Monte


Há um certo prazer em falar mal de agosto. Dizem que é o mês das bruxas, onde cai o dia das sogras, foi quando morreu Getúlio e costumam ocorrer desgraças políticas. Pouca gente fala bem de agosto.

Quase ninguém se lembra que é o mês do mais belo luar do ano, promovendo encontros e reconciliações entre os já românticos e convertendo ao romantismo alguns indecisos pós-modernos. Em mim, particularmente, o luar de agosto produz um estado intermediário entre uma lânguida melancolia e uma vontade enorme de uivar.

É certo que em alguns anos agosto lembra um velho sombrio, com suas nuvens cinzentas, suas chuvas fora de hora, invadindo maleducadamente com seus miasmas setembro a dentro. Mas num ano como este, agosto merece ser tratado com toda a consideração. Já na primeira semana faz um sol quase de verão, esquentando um pouco a água do mar, levando à praia uma boa safra de mulheres e, vá lá, alguns homens dignos de nota. Só temos que aturar o vento forte, o bom vento de agosto que, se algumas vezes aborrece ao derrubar varais, espalhar jornais ou varrer areais, nos compensa com um dos mais belos espetáculos ao ar livre: a dança das saias.

E não me venham dizer que isto é coisa que só interessa aos homens. Alguma coisa me diz que as mulheres esperam ansiosas por agosto, preparam-se em academias e clínicas de beleza para o encontro com este mês abertamente masculino. E tenho certeza que uma pesquisa de mercado revelaria um forte incremento no comércio de saias ou cortes de tecidos para elas, cremes e óleos para pernas, além de peças íntimas de langerri a serem desvendadas num momento de estudada distração.

Os homens esperam por agosto como a um velho camarada. Um amigo maroto que faz por nós o que mais gostaríamos de fazer em plena rua: levantar as saias das mulheres.E reparem bem no rosto de uma mulher a quem o vento de agosto vai levantar a saia. Há, de início, uma certa expectativa, quase uma ansiedade, um temor de que não sopre vento nenhum e tenha sido em vão todo o preparo, todo o cálculo de chegar naquela esquina no momento em que um homem, ou um grupo de homens, passa atento pela calçada contrária. Logo, sopra o vento. Primeiro, de leve, deslocando os cabelos e fazendo a vítima fechar os olhos numa mescla de vago aborrecimento e satisfação. Quase um agradecimento.Ato contínuo, vem o farfalhar da saia. Aí é necessário que a dona da saia tenha alguma coisa em uma das mãos. Pode ser um sortimento de livros e cadernos, algum pacote não muito volumoso, até sacola de supermercado serve em certos casos. O importante é que apenas uma das mãos fique livre para segurar a saia em um dos lados, deixando o outro ao sabor do vento de agosto e dos olhos dos seus gratos amigos do outro lado da rua. O movimento, brusco mas não tanto, de segurar um dos lados da saia leva a um certo desequilíbrio que faz com que o volume sustentado pela outra mão ameace cair. Nisso, a mão que segurava a saia vai em ajuda à sua irmã, deixando agora todo o campo livre para o trabalho do vento e dos olhos.

Há variações do rito, é certo. A melhor delas é quando agosto apanha com seu vento um bando de mulheres no meio de uma ponte ou numa rua larga, de preferência ladeirosa, em que estejamos todos subindo. Mulheres na frente, como manda a boa educação, homens regulando o passo até alcançar a melhor distância para um visão de conjunto e, finalmente, ele, o ruidoso, o assobiador, o vigoroso e salutar vento de agosto, causando desordem e euforia, quebrando a monotonia das tardes friorentas. Estamos no começo de agosto. Já é tempo, meninas, vistam saias. E deixem brincar com elas o vento de agosto, para o alimento de vossas vaidades e o bem dos nossos olhos. Antes que todos, olhos e vaidades, sejam desviados pelo despudoramento de setembro, escancarando corpos e tornando vulgar o jogo sedutor que agosto sabe tão bem jogar.

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julio 20, 2007

Limpo - Colaboración desde Brasil


LIMPO
Ronaldo Monte

A lavadeira caminhava em minha frente. O braço esquerdo apoiava um pequeno volume de roupas coberto com um pano muito alvo. A mão direita segurava quatro cabides, cada um com uma camisa masculina. Todas limpas. Podia imaginar o cheiro bom do tecido lavado e passado com cuidado.

Não sabia de quem eram as roupas. Não podia imaginar o teor do trabalho que as havia sujado. Nem me interessava. Olhava apenas com carinho para aquela mulher que exibia na rua o resultado do seu trabalho. E me senti confortado com a sua existência, mesmo sabendo do quanto seu esforço era mal recompensado.

Essa é uma das injustiças do mundo: os que limpam ganham muito menos do que os que sujam. E é muito mais fácil sujar. Basta ver o pouco esforço que requer jogar uma lata de cerveja pela janela do carro, difamar injustamente um semelhante, fraudar uma assinatura, assaltar um aposentado na porta de um banco.

A operária do limpo ia entregar o fruto do seu trabalho sabendo que na outra semana tudo estará sujo outra vez. E ela novamente limpará. Há uma lição a aprender aí, por quem se ocupa com a limpeza do mundo. É um trabalho sem descanso, pois tem mais gente sujando que limpando.

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julio 09, 2007

Paralelas - Colaboración desde Brasil


PARALELAS
Ronaldo Monte

Ela ia por um lado da calçada.
Ele ia na calçada do outro lado.

Ela de terninho e salto alto.
Ele de tênis, jeans e camiseta.

Ela olhou para ele invejosa.
Ele olhou para ela com cobiça.

Ela olhou o relógio e teve pressa.
Ele viu, pelas sombras, que era cedo.

O sinal de pedestres ficou verde.
O desejo dos dois ficou maduro.

Ela pisou na faixa com cuidado.
Ele fez da calçada um trampolim.

No rio sem nexo dos corpos mergulharam
dois corpos que se buscam e se erram.

O que tentaram fazer foi proibido
Pelo atropelo da humana correnteza.

E o que tentaram dizer foi abafado
pelo carrinho de CD pirata.

E cada um foi arrastado ao lado oposto,
vazio do objeto desejado.

Ele pediu com a mão uma promessa.
Ela acenou adeus e foi—se embora.

Já tinham dado na curta caminhada
Todos os passos do amor que o amor passa.

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julio 06, 2007

Os Neutros - Colaboración desde Brasil


OS NEUTROS
Ronaldo Monte

Fui comprar xerém pra fazer angu. Num mercadinho no meio da feira, bisbilhotei uma conversa entre dois rapazes que me atendiam. Criticavam um terceiro por ser “aquela coisa” e ao mesmo tempo pertencer a uma seita neopentecostal. Não podia. Só se fizesse como um outro que se arrependeu do seu pecado e agora era neutro. Belo eufemismo. Foi preciso comprar xerém para aprender que os enrustidos agora são neutros. Como se alguém pudesse ser indiferente à sua sexualidade.

A conversa entre os rapazes do mercadinho não era casual. Ela apenas refletia um movimento local contra o homossexualismo, com out-doors, passeatas e matéria paga em jornais alertando contra o perigo da aprovação no Congresso de uma lei que criminaliza as expressões de preconceito contra as opções sexuais. Como não poderia deixar de ser, o Arcebispo enviou uma carta de apoio à iniciativa dos concorrentes.

Para engrossar o caldo dos preconceitos, um Secretário de Estado, no meio de um seminário contra a violência, reclama que uma mulher, agora, “por qualquer tapinha, vai querer ser sustentada pelo Estado”. Este é o argumento da autoridade contra a manutenção de casas de acolhimento para mulheres vítimas de violência. Aproveitou ainda a oportunidade para declarar que a “homossexualidade é antinatural, fruto de famílias desestruturadas”.

Na secular parceria entre Igreja e Estado, são sempre os membros mais frágeis da sociedade que acabam nas fogueiras, nas masmorras ou na execração. Quando viu seus livros queimados pela turba nazista, Freud comentou com ironia que a humanidade havia progredido muito. Antes, seria ele a arder na fogueira. Tentando ser neutro, não podia ou não queria antever o destino que mais tarde seria dado a muitos de sua etnia.

O rosnar que se avoluma pode muito bem ser o anúncio de ações mais efetivas de discriminação contra os homossexuais. O que exige de cada um de nós uma clara tomada de posição. Aqui, como em tudo na vida, não há lugar para a neutralidade.

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junio 15, 2007

De Noite - Colaboración desde Brasil


DE NOITE
Ronaldo Monte

Ela era De Noite, como eram De Fátima, Da Guia, Das Dores, Dos Prazeres.
Ela era De Noite, como eram as corujas, os morcegos, os bacuraus, os pirilampos.
Só saía de noite, como a lua, as estrelas, o lobisomem e as almas penadas.
Era De Noite quem passava agora, vinda não se sabe de onde. Era De Noite que já ia longe,
não se sabe pra onde, não se sabe pra quem.
Era De Noite que ele queria. Era De Noite que não o queria, que passava por ele sem olhar,
deixando um rastro de cheiro de carne negra. Que era negra, De Noite.
Negra ficou-lhe a vista, turvada pela ânsia da noite que morava no canto mais escuro do
corpo de De Noite. Do corpo que sumia fundido com a noite.
DE NOITE, DE NOITE, gritava para as casas pesadas de sono.
De Noite, De Noite, soluçava para dentro de si, na mais completa escuridão.

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junio 14, 2007

Ao pó - Colaboración desde Brasil


AO PÓ
Ronaldo Monte

Tu és pó e ao pó voltarás. Disse isto em frente ao espelho da penteadeira,
já com a esponja de pó de arroz pronta para passar no rosto.
Demorou-se um pouco com a mão suspensa,
resignada com o tempo que se recusava a entrar também em suspensão.

Quem disse que não se pode ver o tempo?
Ela o via ali, em sua frente, refletido no espelho oval do móvel antigo.
O tempo tinha a sua cara.
Ali estava escrito o passar das horas, dias, anos, décadas de uma vida às vezes bem vivida.

Ali também estavam os traços de outras vidas, herança confirmada pelos álbuns de fotografia.
Olhava o tempo em sua frente sem remorsos. Tentou lutar contra ele e perdeu.
Gastou fortunas com cremes milagrosos.
Desperdiçou safras de pepino em rodelas. Paralisou-se com litros de botox.
Chegou até pegar o número do cirurgião plástico. Mas não passou daí.

Olhava agora de frente para o tempo. Até gostava um pouco do que via.
Cada marca daquela era uma letra do poema que o tempo escrevera no seu rosto.
Não queria apagá-lo, voltar a ser uma folha em branco.
O que não precisava era que o poema fosse exposto nos mínimos detalhes aos transeuntes.
Um pouco de mistério nunca fez mal a ninguém.
E para isso tinha o bom e velho pó de arroz.

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abril 23, 2007

El Fin de las Cosas - Colaboración desde Brasil


O FIM DAS COISAS
Ronaldo Monte

Todas as coisas terminam. Uma flor termina quando cede seu lugar ao fruto ou quando deixa de enfeitar a sala. Um brinquedo termina quando se quebra ou deixa de encantar seu dono. As ferramentas terminam por excesso de uso, pelo uso indevido ou por uso nenhum.

Os animais também terminam. Uns, de forma violenta, vão servir de repasto aos homens, dentre outros animais. Outros terminam quando já não servem mais aos seus instintos. Todas as coisas, todos os bichos um dia encontram seu fim.

Só o homem não termina porque não tem fim aquilo que o faz homem: o seu desejo. Mesmo às portas da morte, o desejo ainda está lá, querendo evitar que se morra, ou querendo que se morra bem.

Eis uma diferença entre os homens e as coisas. Todas as coisas terminam. O homem morre, mas morre inacabado. Por isso somos tristes, melancólicos. Porque vemos acabar as coisas que nos constituem. As casas em que um dia moramos, as cidades em que um tempo vivemos, as roupas que muitas vezes vestimos, os objetos que um dia fizeram parte do nosso corpo.

A isto estamos fadados: assistir ao fim das coisas. Invejar o fim das coisas que findam sem a angústia com que caminhamos para a morte.

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